16.5.14

A cultura e a morte (393/11)


Conforme prometi, aqui está minha análise do texto que justifica o Projeto de Lei 393/11, elaborado para modificar um dos artigos do Código Civil. Os sucessivos parágrafos do texto original, de autoria do deputado Newton Lima Neto (PT-SP), serão reproduzidos em azul; meus comentários, na cor padrão do blogue (cinza escuro). Os grifos (itálico, negrito) serão sempre meus.

JUSTIFICAÇÃO

O presente projeto de lei, inspirado no projeto de lei 3.378/08, do então deputado federal Antônio Palocci Filho, visa garantir a divulgação de imagens e informações biográficas sobre pessoas de notoriedade pública, cuja trajetória pessoal tenha dimensão pública ou cuja vida esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.

Muito bem. De acordo com as alterações propostas para o Código Civil, a divulgação de imagens e informações biográficas passa a ser garantida por lei. Mas seria essa divulgação garantida de maneira universal e, portanto, igualitária? Não. No conjunto de cidadãos, a lei introduz uma distinção. Ela não se aplica ao "qualquer"; muito pelo contrário, ela concerne apenas "pessoas de notoriedade pública, cuja trajetória pessoal tenha dimensão pública ou cuja vida esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade." Ora, uma vez que todos são (supostamente) iguais perante a lei, e uma vez que a lei mesma (que está sendo proposta) traça uma discriminação no conjunto de cidadãos, é claro que o próximo passo do deputado teria de explicar essa diferença por ele introduzida. Com efeito, é o que ele faz a seguir.

As personalidades públicas, entendidas como políticos, esportistas, artistas, entre outros, são pessoas cujas trajetórias profissionais e pessoais confundem-se e servem de paradigma para toda a sociedade. Por sua posição de destaque em relação aos demais cidadãos, as pessoas notoriamente conhecidas verificam que suas condutas, sejam pessoais, sejam decorrentes do exercício da profissão, são norteadoras das decisões de diversos seguimentos (sic) sociais, os quais valorizam as escolhas pessoais realizadas por tais personalidades públicas, muitas vezes até reproduzindo-as.

É deveras interessante. Se eu fizer uma pesquisa no edifício em que moro, quantas pessoas saberão da existência do deputado Newton Lima, cuja "posição de destaque em relação aos demais cidadãos" pode, no entanto, ser tida como indubitável? Não muitas. Mas o porteiro todos nós conhecemos. De seu faro depende que o prédio não se incendeie quando um morador de cabeça fraca joga uma guimba de cigarro acesa na canaleta da lixeira; e de seu olhar atento depende que nenhum estranho com más intenções adentre o condomínio. Assim, para nós, moradores, quem de fato tem "posição de destaque em relação aos demais cidadãos" e está inserido "em acontecimentos de interesse da coletividade" é nosso porteiro, e não o nobre deputado, do qual a maioria de nós jamais ouviu falar.

No entanto, é evidente que o deputado Newton Lima está falando de outra coisa. E, para nomear essa coisa, ou essa realidade, a palavra mais adequada é, como veremos, a palavra imitação.

É evidente o protagonismo que um jogador de futebol consagrado ou artista popular exercem sobre a tomada de escolhas das pessoas ditas comuns. Desde a simples adoção da mesma modalidade de corte de cabelos até a inspiração de comportamentos e condutas diretamente ligadas à figura da pessoa pública, percebemos que tais personalidades desempenham papel de verdadeiras pessoas-espelho para um amplo corpo social.

É claro que eu continuo não percebendo como eu haveria de imitar alguém de quem jamais ouvi falar; mais fácil seria que eu imitasse o porteiro que aqui trabalha, porteiro esse que poderia, aliás, servir de inspiração para muita gente, pois é honesto, educado e alegre. Mas para que eu possa examinar com isenção a tese que o deputado apresenta, é preciso que eu a leve a sério e a tome em seus próprios termos. Pois bem. Diz o deputado que "um jogador de futebol consagrado ou artista popular" é imitado pelas "pessoas ditas comuns"; e que essa pessoas "ditas comuns" espelham sua conduta na conduta dessas personalidades privilegiadas.

Mas esperem um momento. O fenômeno da imitação não me é totalmente estranho. Eu mesmo traduzi o livro As Leis Sociais, de Gabriel Tarde. E se eu quisesse resumir tudo muito brevemente, diria que todos nós somos (e sempre fomos) imitadores, e que todos nós – ainda que em maior ou menor grau, de acordo com cada caso – somos, também, inventores ou criadores. Mas quem nós imitamos em primeiro lugar? Nossos pais, mães, irmãos, primos, colegas, professores, sacerdotes desta ou daquela religião, enfim, todos aqueles que conviveram conosco desde tenra idade. Ah, sim; e também artistas e jogadores de futebol. Quando eu afirmo que a Terra gira em torno do Sol, estou sendo atravessado por um fluxo imitativo que remonta a Copérnico; e esse fluxo, transmitido de geração a geração, chegou até a criança que eu fui por meio de um professor.

Ora, isso equivale a dizer que a formação de cada um de nós dependeu, em primeiro lugar, de um pequeno exército de inventores e descobridores que decifraram o mundo tal como nós o conhecemos; mas eles nada seriam para nós se não tivéssemos quem nos ensinasse que não somos capazes de voar (e que, portanto, não podemos pular da janela do nosso quarto); ou quem nos ensinasse a ler e escrever; ou quem nos ensinasse quem foi Copérnico e assim por diante.

Para o deputado Newton Lima, no entanto, não é bem assim. Para ele, políticos, artistas e jogadores de futebol (entre outros) são mais importantes do que Platão, Jesus, Darwin, Proust, Spinoza e Einstein; mais importantes do que nossos pais, mães, irmãos e professores; e muito mais importantes, é claro, do que nós mesmos, pobres seres "comuns", simples "desconhecidos" incapazes de pensar e de criar. Sem eles, mal saberíamos como cortar nossos cabelos ou como orientar nossas próprias vidas.

Nossa legislação, entretanto, não faz qualquer distinção entre pessoas públicas, quer por exercerem cargos políticos, quer por serem artistas ou desportistas famosos, das demais pessoas desconhecidas. Em outros países, como, por exemplo, a Inglaterra e os Estados Unidos, o fato das personalidades frequentarem constantemente a mídia diminui o seu direito de imagem e privacidade, tornando lícitos, por exemplo, a publicação de biografias não autorizadas e a realização de obras audiovisuais sobre elas, sem a necessidade de prévio consentimento.

Ah! Estaremos chegando, enfim, ao fundo do pensamento do deputado? Se há "personalidades" que irradiam, magnânimas, suas inúmeras virtudes sobre a massa ignara, é porque a mídia desempenha esse essencial papel mediador entre os deuses do Olimpo e as sombras do limbo?

Mas voltemos ao texto. De acordo com o deputado Newton Lima, nossa legislação padece de uma grave lacuna: ela não faz nenhuma diferença entre os "famosos" e os "desconhecidos". No entanto, para nossa sorte, o nobre deputado está disposto a redimir esse lapso legislativo. Mas estará ele propondo que tracemos uma diferença de grau, e de grau somente, entre famosos e desconhecidos? Afinal, meu porteiro é bem famoso em meu prédio; o vendedor de água de côco é extremamente famoso em meu bairro; e eu sou famosão aqui em casa. Ao passo que o ilustre deputado Newton Lima, a despeito de toda a sua fama e glória, é totalmente desconhecido para muitos. Seria, pois, uma diferença de grau? Claro que não. Quando o deputado se refere a uma distinção, ele refere-se a uma distinção no sentido forte, ou seja, a uma diferença de natureza. Pois a fama (ou ao menos a fama midiática) é como a graça: ou você tem, ou você não tem.

E, no fim das contas, tudo foi copiado dos ingleses e dos americanos. Mas será realmente necessário copiar essa parte específica da legislação de ingleses e americanos? Não teríamos nada de melhor para copiar deles?

Nesses países, os interesses da coletividade em ter acesso às informações são garantidos pela inexigência de autorização para a publicação de biografias. A utilização do nome ou da imagem de certas pessoas para garantir o amplo acesso à informação é uma realidade, sobretudo a partir de inovações tecnológicas que permitem métodos acessíveis de captação de imagens e sons.

O deputado menciona uma "inexigência de autorização", e aqui ele parece acertar na mosca. O problema é que ele não está propondo uma simples "inexigência", e sim um critério positivo (a distinção entre o famoso e o desconhecido) que permita julgar se cabe (ou não) haver exigência de autorização. E aqui reencontraremos o problema que esbocei num texto anterior: a interpretação desse critério – desse critério duvidoso, senão arbitrário – caberá aos juízes. Um tanto a contragosto, vou citar a mim mesmo:

"Só que essa distinção... não resolve o problema. Ela apenas o empurra para a frente, ou seja, joga-o no colo do poder judiciário, que tem problemas mais importantes para resolver. Pois não se trata apenas da necessidade de definir quem é "importante" ou "publicamente relevante" e quem não é. A vida de todas as pessoas que o deputado define como possuindo "dimensão pública" está cercada de outras vidas que, supostamente, não possuiriam essa dimensão. Essa simples brecha dará ensejo a todo tipo de querelas jurídicas na medida em que essas pessoas "dos bastidores" sejam mencionadas nas biografias dos famosos. E quando esses casos surgirem, os juízes terão de decidir se é ou não justificável mencionar [numa biografia] os acontecimentos em que a vida daquele "anônimo" se misturava com a vida da "celebridade". Mais querelas inúteis e improdutivas: um juiz decidirá que a professora primária pode ser citada, mas não a prima que o cidadão engravidou... E depois o juiz de segunda instância decidirá outra coisa..."

Para "garantir o amplo acesso à informação", bastaria não colocar obstáculos à liberdade de expressão. No entanto, obviamente, a ausência total de obstáculos esbarraria no direito à privacidade. Assim, é impossível não colocar nenhum obstáculo, sobretudo quando estamos nos referindo a "inovações tecnológicas que permitem métodos acessíveis de captação de imagens e sons". E aqui, por incrível que pareça, o deputado se equivoca novamente. Além de liberar as biografias a medias (como se as biografias, que são relatos de terceiros, realmente pudessem invadir a privacidade de alguém), ele parece não compreender que tudo o que é captado no momento presente é, ao menos potencialmente, uma invasão de privacidade, e portanto jamais poderia ser colocado no mesmo plano do discurso biográfico.

Tomemos um exemplo tão absurdo quanto radical. Suponhamos que alguém resolva que é de interesse público saber como uma determinada atriz se comporta (ou se descompõe) na cama. Teria eu o direito de usar uma "inovação tecnológica" (como, por exemplo, um drone) para filmá-la? A resposta é fácil: ainda que a divulgação pública do desempenho sexual dessa atriz fosse capaz de inspirar positivamente quinze gerações de amantes, é claro que eu não teria esse direito. Tomemos outro exemplo, já um pouco menos fácil do que o primeiro: teria eu o direito de plantar uma escuta na casa de um gênio muito conhecido sob o pretexto de que tudo o que ele diz pode ser publicamente relevante? E as aulas de um professor? Posso filmá-las ou gravá-las sem que ele o saiba? As aulas de um grande professor acaso não possuem uma "dimensão pública", não estão elas inseridas "em acontecimentos de interesse da coletividade"? Ou estaria ele falando com as paredes? Mas e se o professor quiser falar somente aos seus alunos, como todos os professores fizeram ao longo de séculos e séculos? Não teria ele esse direito? E agora? Ganharemos por simplesmente ter acesso às gravações de suas aulas? Ou perderemos, já que ele, ao saber que está sendo filmado ou gravado, deixará de dizer aquela última frase que abriria todo um mundo, talvez perigoso, talvez sublime, de novas possibilidades?

Não custa lembrar que eu, num breve artigo chamado A privacidade e as biografias não autorizadas, fiz um esforço para traçar as verdadeiras diferenças de natureza que seriam capazes de resolver esse problema, ou ao menos de indicar o caminho pelo qual ele pode ser resolvido. Há uma diferença de natureza entre escrever uma biografia e filmar (e/ou gravar áudio), tal como há uma diferença de natureza entre passado e presente, tal como há uma diferença de natureza entre a experiência privada e os relatos a respeito de experiências compartilhadas.

Há de se lembrar que a inexigência de autorização para publicação de obra biográfica não significa atentado à dignidade da pessoa humana, garantido pelo artigo 1º, III, da Constituição Federal. Bem como permanece garantido o direito ao nome, previsto pelo artigo 17 do Código Civil. 

Mas é claro que não. Todo mundo tem o direito de escrever sobre seja lá o que for e de contar a história do que bem entender. Ao mesmo tempo, todo mundo é responsável pelo que diz. Simples assim. 

Discute-se, no presente projeto de lei, a afastabilidade da exigência de autorização para a elaboração de obras biográficas sobre personalidades notoriamente conhecidas. Trata-se da necessidade de afastar os resquícios legais da censura, ainda presente no artigo 20 do Código Civil e evitar, portanto, o cerceamento do direito de informação, tão caro aos brasileiros, após anos de ditadura.

Mas apenas "sobre personalidades notoriamente conhecidas", senhor deputado? E se eu quiser escrever sobre a vida de uma catadora de lixo? Ou sobre a vida de um porteiro? Vossa Excelência realmente acha que não temos absolutamente nada a aprender com porteiros e catadoras de lixo? Afinal, o senhor não é petista?

As normas constitucionais brasileiras, em especial aquelas estabelecidas no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, concedem hierarquia e importância idênticas aos direitos individuais de imagem, privacidade, honra e nome e aos direitos individuais de liberdade de expressão e direito à informação. Este último também aparece no elenco dos direitos coletivos, ligado ao capítulo da Comunicação Social.

Sim, e não é tão difícil assim conciliar privacidade e liberdade de expressão. Já temos até um ponto de partida bastante razoável.

Como de praxe, conflitos eventuais destes direitos devem ser dirimidos no âmbito da Justiça, onde os tribunais proferem suas decisões à luz dos fatos concretos.

Exato. Entretanto, como o problema foi mal formulado, e a lei mal elaborada, haverá muito mais querelas a dirimir no âmbito da Justiça do que seria necessário ou desejável. Um legislador não é alguém que simplesmente escreve uma lei para tentar, bem ou mal, acomodar as coisas; seu trabalho, e se trata realmente de um trabalho árduo, é antecipar-se a todos os questionamentos que irão surgir caso a própria lei não formule com precisão o problema que ela tenta equacionar. Por falar nisso, como ficará, afinal, o trecho em questão do Código Civil caso o Projeto de Lei 393/11 seja aprovado? Ficará assim:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

§ 1º Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

§ 2° A mera ausência de autorização não impede a divulgação de imagens, escritos e informações com finalidade biográfica de pessoa cuja trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos de interesse da coletividade.


Não é necessário ser jurista ou mesmo advogado (e eu não sou nenhum dos dois) para perceber que a redação acima talvez seja capaz de satisfazer os biógrafos de profissão (sobretudo se eles não atentarem para os problemas que levantei), mas será incapaz de dar aos juízes um norte seguro para julgar os casos particulares que estarão situados naquela zona cinzenta entre o direito à privacidade e o direito à liberdade de expressão. Pensem no filme Estamira, de Marcos Prado, ou pensem nos exemplos da professora primária e da prima grávida, e vocês entenderão imediatamente do que eu estou falando.

 * * * 

Para finalizar, creio que é importante assinalar que o deputado Newton Lima Neto (PT-SP) não é ex-palhaço ou ex-jogador de futebol. Evidentemente, não tenho nada contra ex-palhaços e ex-jogadores de futebol... E nada tenho, tampouco, contra a eleição deles para cargos públicos. Mas o fato é que o deputado Newton Lima Neto é professor universitário, Doutor Honoris Causa e ex-Reitor da UFSCAR, a universidade federal situada na simpática cidade de São Carlos, onde tive a oportunidade de passar uma tarde com o saudoso filósofo Bento Prado Jr. Portanto, não estamos falando aqui de um homem despreparado. É antes o oposto: trata-se de um homem muito bem preparado – ainda que sua formação tenha sido na área de Engenharia Química, e não, por exemplo, em Direito ou Filosofia. Diante disso, fica a pergunta: como pode um homem desse quilate, e além de tudo um político de esquerda, compreender tão mal a realidade social?

Para responder essa pergunta, basta que tenhamos em mente como o típico intelectual de esquerda enxerga a si mesmo e ao mundo em que vive. A classe operária é "em si" (possui um papel determinado nas relações sociais de produção), mas não é "para si", ou seja, não tem, ou não tem necessariamente, consciência de seu papel revolucionário. E quem é a consciência da classe revolucionária? Quem é a vanguarda que deverá guiá-la nessa passagem do "em si" ao "para si"? Precisamente o intelectual de esquerda.

Somos muito ingênuos ao pensar que somente a "direita" pode ser autoritária. O autoritarismo não é apanágio de nenhuma corrente ou orientação política. Eu mesmo conheço um "anarquista" autoritário... Desse ponto de vista, torna-se extremamente fácil compreender como um intelectual de esquerda chegou a produzir o texto que acabei de comentar. Para ele, o cidadão "dito comum", o "desconhecido" que (supostamente) possui somente uma dimensão "privada" (como se isso fosse possível), não passa de massa de manobra para fins que apenas ele, intelectual, conhece e compreende.

É uma posição muito confortável, tão confortável quanto a do religioso para o qual basta obedecer mecanicamente aos dez mandamentos ou à sharia. O intelectual (seja ele de esquerda ou de direita) possui a verdade e o sentido da vida; não só o sentido de sua vida, o que seria muito bom, mas também o sentido da vida alheia; a bem da verdade, ele vai muito além, pois conhece o sentido da história humana como totalidade. E tudo isso é extremamente confortável porque basta somar dois e dois, ou seja, assimilar uma doutrina ou um programa, "tomar partido" e... voilà, você se torna um líder, um herói capaz de conduzir o destino humano, um "paradigma" para a sociedade, alguém cuja trajetória possui "dimensão pública" e está plenamente "inserida em acontecimentos de interesse da coletividade".

Minha utopia, se é que eu tenho uma, é muito diferente. Eu trabalho em silêncio para que sobrevenha, um dia, uma sociedade, ou melhor ainda, uma humanidade composta por homens livres. Mas eu seria o último dos idiotas se achasse que poderia contribuir para a superação da condição humana sendo, eu mesmo, um escravo. E seria o penúltimo dos idiotas se achasse que poderia conquistar a liberdade simplesmente repetindo as palavras dos raros homens livres que existiram antes de mim; já vi homens mais preparados e possivelmente mais capazes do que eu falharem miseravelmente. Por fim, eu seria o antepenúltimo dos idiotas se não percebesse que o meu esforço para conquistar a liberdade não é e jamais será apenas "meu", mas conecta-se por meio de milhões de fios invisíveis ao esforço genérico de todos os homens. O único erro fatal nessa matéria é acreditar que podemos ou devemos conduzir os demais. Pois, por definição, jamais será livre um homem incapaz de conduzir-se a si mesmo.

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