6.4.15

As bijuterias envenenadas (parte 1)


Um resumo do caso

Em novembro de 2013 a imprensa brasileira divulgou uma denúncia grave: 16 toneladas de bijuterias apreendidas pela Receita Federal no porto do Rio de Janeiro apresentavam "níveis altíssimos" de um metal pesado, extremamente tóxico, chamado cádmio.

Até onde eu pude descobrir em minha pesquisa, a primeira fonte a mencionar o assunto foi uma chamada para o programa "Fantástico" (1). Três dias depois, em 17 de novembro de 2013, a matéria completa foi veiculada na TV Globo e na página do "Fantástico" (2).

Façamos um resumo das informações básicas publicadas por essa fonte:

(a) O cádmio pode ser absorvido pela pele e, mesmo em quantidades muito pequenas, é altamente prejudicial à saúde.
(b) Nos Estados Unidos, a proporção máxima de cádmio permitida em bijuterias é de 0,03%.
(c) Na União Européia, essa proporção cai para 0,01%.
(d) As bijuterias (brincos, anéis, colares, pulseiras, etc.) foram apreendidas pela Receita por razões meramente fiscais (suspeita de que o valor declarado era menor do que o valor real).
(e) Como precisava determinar o valor das peças, a Receita mandou testá-las e descobriu que continham cádmio numa proporção que variava entre 32,6 e 39,2%.
(f) A Receita Federal consultou o Ibama e a Anvisa.
(g) O Ibama informou que o cádmio não requer licença de importação; "o controle, segundo o Ibama, seria competência da Anvisa."
(h) A Anvisa informou que "bijuterias, joias e assemelhados não estão sujeitos à vigilância sanitária."
(i) Assim, "a Receita Federal será obrigada a permitir a entrada no país dessas 16 toneladas de carga perigosa", cabendo-lhe apenas "cobrar o imposto devido sobre o valor da mercadoria."
(j) Apenas nos últimos cinco anos (ou seja, entre entre 2009 e 2013), "o Brasil importou 29 mil toneladas de bijuterias chinesas."

Em entrevista concedida ao programa Sem Censura (3), a professora de toxicologia da UFRJ Nancy Barbi afirmou (ou ao menos sugeriu) que o uso do cádmio em bijuterias por fabricantes chineses faria parte de uma estratégia deliberada para descartar lixo tóxico. Em outras palavras, os chineses estariam aliviando um sério problema ambiental ao exportar, sob forma de bijuterias, milhares de toneladas de um metal pesado que não se degrada no meio ambiente. E, de quebra, eles não estariam gastando um tostão para resolver seu problema; estariam, ao contrário, ganhando dinheiro.

Ora, se a professora Nancy Barbi estiver correta, não se trata de uma simples iniciativa de diminuição de custos por parte dos fabricantes chineses. Mas para que essa exportação de cádmio em bijuterias possa ser caracterizada como uma estratégia deliberada de limpeza ambiental, será preciso que o próprio Estado chinês esteja fornecendo essa matéria-prima, sem nenhum custo ou a preços muito baixos, aos fabricantes locais. É uma tese perfeitamente plausível, porém difícil de ser provada (ou mesmo investigada); e por mais verossímil que seja, não se pode negar que ela possui tintas de teoria conspiratória.

É claro que eu gostaria de saber por que a China está exportando cádmio. Será uma política de Estado? Será simplesmente ganância privada de fabricantes sem escrúpulos? Ou talvez uma combinação das duas coisas? Tudo o que sei (até aqui) é que a China possui graves problemas ambientais e que boa parte desses problemas se deve aos metais pesados (5), (6), (7). Por outro lado, sei que ela exporta cádmio sob forma de bijuterias e que a presença de cádmio em bijuterias vem causando preocupação até em países mais desenvolvidos e com uma legislação mais avançada do que a nossa (8), (9), (10). Por fim, sei que o cádmio não é, em nenhuma hipótese, um metal requerido para a fabricação de bijuterias. Juntas, todas essas circunstâncias acabam despertando suspeitas e é natural supor, como fez a professora Nancy Barbi, que se trate de uma política deliberada.

No entanto, saber por que diabos a China exporta cádmio escondido em bijuterias é muito menos importante do que saber o que nós fizemos (e faremos) a respeito. Esse será o objeto da segunda parte desta postagem.


FONTES

(1) Teste mostra alto nível de cádmio em bijuterias vindas da China (14/11/2013)
(2) Laudo alerta para alta concentração de substância tóxica em bijuterias (17/11/2013)
(3) Depoimento de Nancy Barbi (professora de toxicologia da UFRJ)
(4) Cádmio e Chumbo em Bijuterias e Joias - Inmetro
(5) A contaminação por metais pesados na China - Parte 1 (He Guangwei / Yale)
(6) A contaminação por metais pesados na China - Parte 2 (He Guangwei / Yale)
(7) Rice Tainted With Cadmium Is Discovered in Southern China (New York Times)
(8) Wal-Mart Still Selling Cadmium-Tainted Jewelry (Associated Press)
(9) Cadmium In Jewelry: Federal Regulators Failed To Protect Children From Cancer-Causing Metals (The Huffington Post)
(10) Toxic jewelry from China sold online (Czech News Agency / Prague Post)


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